Era o campo da boina. Exercícios militares realizados na estancia da Brigada.
A tropa dirigia-se para o rancho rastejando no meio do barro, conforme ordenado pelo tenente comandante do pelotão. Rostos com expressões cansadas contrastavam com a autoritária voz do oficial. O pequeno tenente tornava-se um gigante diante de nós, com o pelotão no chão rastejando sua voz parecia um badalar de sinos em nossos ouvidos.
Para surpresa dele e de todos nós, recebemos em nossa área de exercícios, a visita do comandante geral da guarnição, o qual por um momento ficou parado admirando a cena, nos deixando na duvida se aprovava ou reprovava tal situação. O tenente ao notar a presença de seu comandante gritou:
- Atenção pelotão! Nessa altura, já nem sabíamos o que fazer.
o comandante aproximou-se, como bom cavalariano tinha um relho na mão, o qual batia na lateral de sua bota, que brilhava tanto chegando a refletir a imagem do entardecer.
- Tenente o que significa isso? Perguntou o comandante. Depois das continências de praxe ele respondeu:
- Comandante, pelo fato de ser eu um " baixinho", e este pelotão em sua maioria ter recrutas altos, optei que após pegarem seu material para a janta, avançassem ao rancho rastejando assim, eu estaria de forma geral e visível acompanharia o desempenho de cada um.
O fato é que antes que o comandante falasse, até os pássaros que sobrevoavam a fazenda da Lolita naquele entardecer recolhendo-se aos seus ninhos, pararam de voar em pleno ar, para testemunharem o que acontecia logo ali abaixo deles,
O comandante olhou para um lado, olhou para cima (talvez encarasse os pássaros), olhou para outro lado, bateu novamente o relho nas brilhosas botas que agora refletiam a imagem dos pássaros também, aproximou-se da primeira fila do pelotão e dirigindo-se ao jovem mais alto falou:
- Conscrito! Ao que o jovem ficou de pé imediatamente e batendo aos mãos na posição de sentido falou:
- Sim Senhor!
- Esta vendo aquela cadeira junto à arvore?
- Sim Senhor!
-Acelerado, traga e coloque-a aqui onde estou.
O gringo saiu correndo, todo desengonçado, pois realmente ele era muito alto e o que mais sofria também. Talvez a distancia de sua terra, a exigência de flexibilidade corporal exigida nos exercícios e ser sempre o motivo de chacota entre os graduados, o deixasse mais sensível emocionalmente e não raro um ou outro colega testemunhava seu choro.
Quando o gringo chegou com a cadeira, o ato seguinte parecia ser o que os pássaros que voam livres no céu, estavam esperando para assistir. O Tenente Coronel, comandante da guarnição, olhou para o jovem tenente e falou:
- Tenente, por favor, suba na cadeira.
O jovem oficial tentou argumentar porém, de nada adiantou diante da firmeza de seu comandante que continuou a falar:
- Tenente, esses homens, esses jovens conscritos, passaram o dia realizando manobras e exercícios os quais exigiram e muito da sua condição física, e ainda terão outra série de provas durante à noite, portanto, permita que avancem ao rancho para sua refeição como seres normais, para que se alimentem descansados. Quanto a sua estatura, já resolvi seu problema, ai de cima o senhor deve sentir-se bem melhor.
Os pássaros por algum motivo torciam por nós, pois logo saíram cantando rumo ao seu destino. O comandante agiu de forma humana sem qualquer tipo de preconceito quanto a altura do tenente, uma vez que ambos eram da mesma estatura. Nós avançamos normalmente para o rancho, embora muito embarrados, podemos jantar tranquilos, cada um no lugar que quis naquele cenário campeiro. O tenente pela sua expressão, não gostou nada do acontecido, pois teve que sentir-se um pouco recruta naquele momento. Quanto a mim, nunca mais esqueci esse episódio. Quando o ser humano tem a capacidade de transportar-se para o lugar do outro, tentar sentir o que o outro sente, pensar antes de fazer ou falar algo para alguém, perguntar a si mesmo: E se fosse comigo, e se fosse eu, eu gostaria que fizessem isso comigo? Com certeza teríamos um mundo bem melhor.
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